HISTÓRIA PARECIDA COM MINHA E DE TANTOS OUTROS
Do meu pai
05.09.07
No dia 18 de setembro de 2007 eu terei vivido mais tempo sem meu pai do que com ele. Serão 14 anos e 18 dias. É por isso que apesar de agosto ser o mês do meu aniversário é o mês que dói mais. Porque tem de uma tacada só o dia dos pais e tem o dia em que meu pai morreu.
Justamente o dia em que comemoram o Blog Day. Na boa, às favas com o Blog Day. Meu pai morreu nesse dia e jamais farei lista de blogs pra comemorar o Blog Day.
Não tem pessoa que me faça mais falta na vida que meu pai. Sempre que passo por algum mau bocado eu penso que pra quem já perdeu o pai o resto é ficha, é balela. E no final das contas sempre é.
Eu costumo dizer que como Vinicius escreveu, “eu tenho tudo para ser feliz, mas acontece que eu sou triste”. É verdade. É impossível uma felicidade plena sem meu
pai.
Já me acusaram de viver apegada ao passado, de não ter enterrado meu pai de vez. Já me disseram: “Morreu, acabou, bola pra frente”. Não dá, não consigo.
Meu pai é daquelas coisas que vou levar pra sempre comigo. Quando organizar o carrinho de supermercado enquanto minha mãe joga tudo bagunçado lá dentro; quando fizer lista pra arrumar a mala de viagem e for ticando, uma a uma, as coisas guardadas; quando cumprimentar as pessoas no elevador, na portaria, no ônibus, no trabalho, em lojas, em restaurantes, em bilheterias; quando assistir Ben-Hur na TV; quando o nosso velho time de futebol jogar; quando vir um casal de meia-idade dançando ao som de Luiz Gonzaga; quando o Círio passar; quando eu ganhar uma partida de damas – meu pai sempre jogava com quatro peças a menos e sempre ganhava da gente.
Quando o meu irmão vier pedir algum conselho pra mim, alguma direção. E eu lembrar que pra ele foi bem pior do que pra mim, porque ele só conviveu por nove anos com o papai.
Dói às vezes sentir que os pequenos detalhes que faziam o meu pai estão aos poucos desaparecendo da minha memória. O jeito de rir, de falar, de andar, de gesticular, de comer, de dormir. Lamento muito não ter imagens do meu pai em vídeo, por exemplo – ao mesmo tempo, é bem provável que evitasse vê-las se as tivesse...
O meu pai é ponto de referência sim na minha vida e você pode até não ter pai ou não gostar do seu, mas deve ter um ponto de referência, e daí sabe do que estou falando.
Não é de gosto musical, literário, religioso ou cinematográfico que falo. Meu pai era um homem dos números, engenheiro, daqueles que fazia contas de 4, 5 dígitos de cabeça, louco pra que eu fosse louca por Matemática. Coitado. Nunca fui capaz de dar esse simples prazer a ele: eu sempre me dediquei mais às redações do que às contas.
Eu falo de referência de conduta, de certos comportamentos, de certas atitudes. De querer resolver todos os problemas do mundo, de se preocupar demais com quem se ama demais, de fazer a sua parte – de ter consciência de que cada um tem sua parte e que ela precisa ser feita. De não conseguir dar com os ombros diante dos obstáculos e dificuldades. De se achar meio super-herói enfim.
Eu sempre fui muito chorona, muito. Me sensibilizo com as mínimas coisas. Com um quadro de Portinari no MASP; com um filme pretaebrancamente antigo; com músicas do Balão Mágico; com abraços apertados até. Meu pai sempre dizia que não era pra eu chorar à toa, que era pra eu deixar pra chorar quando ele morresse.
Ele não era insensível. Ele só era da turma de pessoas que acredita que para coisas bonitas e emocionantes devemos rir e não chorar; que choro é somente para coisas tristes.
E não há coisa mais triste no mundo do que não conviver mais com ele. Porque o meu pai era aquele cara que brigava comigo e ao me ver emburrada dizia: “Você tá emburrada ou é feia assim mesmo?” e eu ficava me segurando pra não rir, pra não dar o braço a torcer. Ele era o cara que não dizia nunca que eu estava bonita ou linda, o elogio dele era sempre o mesmo: “Você está ótima”. Ele era o cara que mesmo chateado comigo quando eu saltava do carro dizia bem sério: “E o beijo?”, e nos beijávamos sempre, ainda que ranzinzentos um com o outro. Ele era o cara que quando chegava cabeludo das viagens de três meses pro meio do mato me deixava ficar brincando de cabeleireiro e enchê-lo de ligas, presilhas e grampinhos coloridos, como se ele fosse uma boneca minha.
Quando alguém conseguir me provar por A mais B que essas lembranças não valem muito, quem sabe eu consiga acreditar que morreu, acabou, bola pra frente. Por hora, não dá, não consigo. Por hora prefiro acreditar nisso AQUI (na cena dos 3 minutos e meio em diante).
PS – A Stella criou o Blog do meu pai para manter viva a memória do pai dela. É um blog melancólico: lindo, mas doloroso. Quem já não tem o pai ou a mãe sentirá em minutos suas lembranças misturadas às lembranças da Stella. E pra que essas lembranças misturadas não se percam, eu peço, por favor, que ela abra uma caixa de comentários por lá.
FONTE:
http://www.interney.net/blogs/cintaliga/2007/09/05/do_meu_pai/































































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